A casa, o balanço e o tempo
A casa, o balanço e o tempo
Por Allex Colontonio
Em área preservada do cerrado de Nova Lima, nas Minas Gerais, a casa projetada por Marcelo Alvarenga empilha retângulos sobre um penhasco para descortinar a vista – e exibir o viço da nova pele da arquitetura brasileira
Marcelo Alvarenga nem bem saiu da casca e já marcou território entre os autocads mais calibrados de sua safra. Aos 39 anos, o mineiro de Lavras graduado pela UFMG e pós-graduado em Desenho Industrial pelo SENAC, vencedor de um punhado de prêmios dedicados a jovens profissionais, foi pupilo de sua conterrânea Freusa Zechmeister, cartaz portentoso do compasso brasileiro. Pouco depois, de 2004 a 2011, colaborou com Isay Weinfeld, ponto cardeal da volumetria concreta contemporânea, participando da concepção de diversos projetos como o Hotel Fasano Las Piedras, em Punta del Leste, além de cenografias para espetáculos teatrais e musicais.
Em segundo ato, protagonizando carreira solo à frente do estúdio Play, de BH, continua lançando mão de duetos afinados vez por outra. Acaba de dividir com Felipe Hess, outra cria de Weinfeld, o projeto da descolada galeria Emma Thomas, em São Paulo. Mas é no voo solitário que exibe, de fato, a envergadura de suas asas. Debruçado como um crocodilo ao sol sobre o cerrado de Nova Lima, Minas Gerais, pouco mais de 20 quilômetros quilômetros distante de Belo Horizonte, o refúgio de um jovem casal com filhos adolescentes, vizinho a uma reserva ecológica, é o estandarte de sua filosofia: volumes puros sobrepostos que não se camuflam na paisagem, estruturas espaciais quentes onde a presença humana está absolutamente inserida no contexto, mesmo quando o espaço está vazio. E um twist lúdico que é a cara da nova geração.
O balanço, encomendado ao artista – e especialista em acrobacias aéreas – Lourenço Marques, escancara esse discurso na fachada: uma instalação simples e quase improvável que, além de entreter a molecada, acrescenta doçura e poesia à rigidez dos retângulos. A paisagem ajuda, já que nenhuma outra obra pode ser construída à esquerda do lote, por conta das leis de preservação ambiental. “O objetivo foi manter a paisagem original com menos intervenção possível, não realizar uma terraplanagem radical, tampouco produzir uma casa que se tornasse uma espécie de prédio, alternativa frequente das construções por ali”, diz Alvarenga.
O desafio técnico era grande. A propriedade de 1500 metros quadrados tinha 30% do perímetro em declive acentuado, condição topográfica comum na região.
Outro aproveitamento do terreno-penhasco de 1.500 metros quadrados é que cada um dos três pisos encontra sua plataforma no solo. Nos 800 metros quadrados de área construída, os quartos foram posicionados junto à garagem, assim como a imensa área social. Lá também estão a oficina de marcenaria – um dos hobbies do proprietário – e dois depósitos. No pavilhão intermediário foi plantado o gramado e encaixada a piscina, que se unem à varanda, conectada à cozinha através de um painel cortado a lazer que permite ou restringe a ligação – uma espécie de camuflagem com padrão geométrico alternando os tons da natureza local. Em cima, estão os escritórios, a sala de tv e o solário.
Os materiais de acabamento não foram planejados para desaparecer: concreto aparente, venezianas de alumínio, nata de cimento, madeira cumaru e pedras Miracema – um clássico de Minas Gerais, muito abundante em São Thomé das Letras. O décor é frugal e elegante, com peças de bom gosto que vieram do acervo da família, como a poltrona mole de Sergio Rodrigues, a cadeira Paulistano de Paulo Mendes da Rocha, cadeira de balanço Thonet e outros objetos assinados por Jacobsen e Mies Van Der Rohe. E assim a casa vai sendo mobiliada, lenta e cuidadosamente. “Os moradores não têm interesse em decorar com pressa para que pareça um showroom frio, sem a personalidade da família. Eles querem curtir o processo de ver seu refúgio ganhando forma”, diz Marcelo, apelidado pelos amigos como “Playmobil”. Um cara que realmente sabe brincar com as linhas, com todo o viço da nova geração.