Nas listras da zebra
Nas listras da zebra
KAZA descortina o divertido bric-à-brac de luxo no apartamento parisiense de Sacha Walckhoff, diretor criativo da maison Christian Lacroix
Por Cynthia Garcia fotos por Neil Bicknell
Quando Sacha Walckhoff foi entrevistado por Christian Lacroix, pensou: “Uau, estou diante de um deus!”. O couturier nem olhou o curriculum vitae do jovem que iria trabalhar ao seu lado durante 17 anos, quando mencionou que morara em Barcelona e amava o cinema de Jean-Pierre Jeunet (Delicatessen, Amélie Poulain, Micmacs). Lacroix, vivo ainda hoje, foi mesmo um deus da haute couture parisiense no final do século passado, respeitado até por St. Laurent. Em 2009, a empresa faliu, a alta moda enlutou. A grife passou a girar em torno de sua linha de perfumes. Mas um talento desses não se dissipa. Espiritualmente – se é que você me entende –, as vibrações das almas de bom gosto cuidam para que isso não aconteça. E como “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, Lacroix foi afastado, Sacha assumiu o posto de diretor criativo, em 2010, e, com respeitosa elegância aos princípios do mestre, está reorganizando a maison com seu olhar moderno.
Sua paixão se divide em três: a Lacroix; seu apartamento, onde vive há 15 anos, perto da Opéra Garnier; e o garimpo de objetos curiosos, com uma pitada, em maior ou menor grau, de sensualidade e de exuberância. O imóvel no quinto andar no prédio de fachada neoclássica de 1820 tem uma planta tipicamente parisiense. O hall divide o fluxo: na frente, o living; à esquerda, os dois quartos; à direita, o escritório, a cozinha e o banheiro. “Aqui estão as minhas viagens”, revela Sacha sobre o gabinete de curiosidades em que vive submerso em souvenirs excêntricos – como chama seus objetos –, frutos das trips dominicais que faz com os amigos às feiras de antiguidades da linda metrópole. “De manhã, vamos ao marché aux puces de Port de Vanves, à tarde, curtimos um garimpo mais sofisticado na Rue Paul Bert, em Clignancourt”. (Nota da jornalista: se você estiver programando uma viagem a Paris, a Rue Paul Bert concentra os antiquários mais vanguardistas da Cidade Luz).
O décor é um patchwork de formas, cores e texturas em clima de um luxuoso assemblage iconoclasta. Reúne o design industrial, o surrealismo, o barroco, o oriental, os anos 1970, o estilo Napoléon III, o kitsch, arte contemporânea, fotografias sexy e uma coleção de caveiras e peças fálicas de várias proveniências. As coisas quase se esbarram nesse bric-à-brac apoteótico, mas parecem pedir “excusez-moi”, delicadamente, umas às outras. Na sala, sobre o tapete de zebra, a poltrona do designer Pierre Paulin, forrada de tweed, bate papo com a cadeira cromada de Marcel Wanders para Droog Design da série Knotted chair. Em frente, a mesa de centro, saída do forno do ateliê de Vallauris do ceramista Roger Capron, conversa com o banco surrealista banhado de prata no formato de um par de mãos do mexicano Pedro Freideberg. Tudo surpreende, inclusive Sacha, com a seguinte revelação: um dia foi minimalista! Como assim? “Quando fui trabalhar com Monsieur Lacroix, juro, eu era, sim, mas não dá para continuar clean junto dele”, sorri da lembrança.
Em 1997, tive a sorte de entrevistar Lacroix pessoalmente nos meus tempos de Vogue e, como alguns privilegiados, assisti ao desfile de haute couture acompanhado da exposição com cenografia de Bia Lessa, na Faap. Pensando bem, 1997 foi o ano Lacroix em São Paulo. Suas criações estavam na mostra Fashion Passion, organizada por Emílio Kalil, na Oca, com expoentes de 100 anos da moda, e ainda tivemos a abertura da butique Christian Lacroix, na Rua Haddock Lobo, graças à empresária Sandra Habib. Mais tarde, em 2009, a mesma Faap trouxe os figurinos teatrais da mostra Christian Lacroix – Trajes de Cena. Quem testemunhou esses eventos da mais refinada cultura da moda sabe que Lacroix é o mestre das cores explosivas em formas historicistas redesenhadas por seu mix & match inconformista de luxo. Ao que tudo indica, a herança está muito bem plasmada em Sacha Walckhoff.
