Viver com arte
Umas das galeristas mais importantes da América do Sul, Raquel Arnaud celebra 40 anos colecionando e jogando luz sobre grandes criadores da melhor arte contemporânea. Pela primeira vez, ela abre as portas da casa que conta tudo e mais um pouco sobre seu estilo
Por Cynthia Garcia Fotos Alain Brugier
A fachada da casa da galerista Raquel Arnaud é discreta como ela. Assentada em um bairro paulistano de árvores frondosas em pouco mais de 300 metros quadrados, a construção de um pavimento possui arquitetura simples, luminosa, sem afetação, e está há minutos do QG dessa grande dama da arte brasileira. Trata-se da primeira vez que ela abre sua morada para um ensaio fotográfico. “É em nome de nossa velha amizade, Cynthia”, disse-me carinhosamente a profissional à frente da galeria Raquel Arnaud, respeitada nos dois hemisférios por artistas, colecionadores e críticos. Como poderão contemplar nestas páginas, o fotógrafo Alain Brugier registrou com muita sensibilidade a coleção guardada entre essas paredes. Tudo foi feito antes de Raquel embarcar para a Fiac, a mais importante feira francesa de arte, que ocorre no Grand Palais, em Paris, e nesta edição, assim como a galerista brasileira, comemora 40 anos de atividade nas artes plásticas.
A morena de beleza índia nascida em Guaratinguetá, filha do seu Orlando e da dona Maria Ignácia, antes de se tornar assistente no Masp do lendário professor Bardi, foi apresentada aos 15 anos pelo seu tio Chico a ninguém menos que Portinari. Meses depois conheceria o primeiro marido, Oscar Segall, filho de Lasar Segall, um dos pioneiros da Arte Brasileira. “O contato com seu Lasar e dona Jenny trouxe muita novidade para mim. Com eles passei a ir a exposições e a outros eventos que começaram a instigar minha curiosidade”, conta ela no livro Raquel Arnaud e o olhar contemporâneo, publicado em 2005 pela Cosac Naify – que lançará uma nova monografia sobre a galerista, em março de 2014, durante a coletiva no Instituto Tomie Ohtake com curadoria que ela mesmo fará dos artistas com os quais vem trabalhando ao longo dessas quatro décadas. Além da galeria e da representação legal do acervo do espólio do escultor Sergio.
Camargo, ela divide o tempo com o IAC, Instituto de Arte Contemporânea de documentação artística, idealizado por ela, sediado no Centro Universitário Belas Artes, na Vila Mariana. Desde outubro, o IAC está expondo a individual Amilcar de Castro – Estudos e Obras, com curadoria de Rodrigo de Castro, filho do escultor, e, a partir de 28 de novembro, o instituto inaugura as mostras de Sergio Camargo e de Willys de Castro no Paço Imperial no Rio de Janeiro.
“Lá fora sou galerista, aqui em casa prevalece o olhar da colecionadora”, diz sobre seu acervo particular, acostumada à ausência de uma ou outra obra, em exposição em algum museu. “O Objeto Ativo, do Willys de Castro, é meu eterno viajante, está sempre fora. A Mira Schendel da sala está na Tate (Gallery, em Londres) e a obra Recém-Nascido, do Waltercio Caldas, que fica no hall, está no Blanton Museum, em Austin, no Texas”, revela com naturalidade. E como criou o acervo da galeria e a sua coleção? “Foi pura intuição. Acabei firmando o estilo da galeria no geométrico abstrato e na arte cinética. Após o modernismo do início do século 20, surgiu a abstração geométrica dos anos 1950 e 1960 junto com o neoconcretismo e o construtivismo. Esses movimentos geraram a abstração gestual, as performances, que convergiram para a arte contemporânea”, resume os últimos 40 anos da arte brasileira da qual é uma das principais interlocutoras.
E como remaneja o espaço da sua coleção particular? “Antes eu morava em
uma casa grande – tenho três filhos do primeiro casamento e duas filhas com o Hector (Babenco, o cineasta) –, agora moro aqui, há 21 anos. Em casa exponho a coleção principal, mas deixo algumas obras minhas com eles, à escolha deles, para que meus filhos e meus nove netos convivam com peças representativas”, sorri, realizada, a grande dama da Arte Brasileira que não vende as obras que estão em casa por nada no mundo.