Ela está presente
Com vista arrebatadora, refúgio campestre da performer superpop Marina Abramović é uma aula de história permeada por arte e design de primeira
Por Flávio Nogueira |Fotos Reto Guntli e Agi Simões
Em 1609, Henry Hudson, umexplorador inglês, subiu o rio que hoje leva seu nome, à procura de uma passagem que o levasse aos tesouros da China. Ele não encontrou, mas descobriu uma das mais belas paisagens do mundo. Duzentos anos depois, Robert Fultonlançou o primeiro barco a vapor em suas águas, e, com o passar dos séculos, a região batizada como Vale do Hudson, exerceu – e ainda exerce – efeitos profundos sobre a história, a arte e a literatura. Foi lá que os pintores Thomas Cole e FredericChurch criaram um movimento artístico caracterizado pelo realismo detalhado da natureza. E onde o literato Washington Irving, biógrafo de George Washington – primeiro presidente americano –, escreveu parte de sua obra. Mas há também uma artista contemporânea performática, mais conhecida que os mencionados acima, que tem uma ligação ainda mais forte com o lugar: Marina Abramovic.
A duas horas de carro de Nova York, numamorada de campo com arquitetura mezzo colonial, mezzomodernex, revestida de madeira, com vista bucólica, que Abramovic ocasionalmente descansa. “Preciso de um lugar longe de tudo e de todos, onde possa dar um passeio no rio, sentar em uma pedra e ouvir o som da água. Preciso de um lugar onde consiga parar e pensar. E essa casa me oferece esse tipo de proteção. Se o tempo está bonito lá fora, gosto de dormir sob as árvores; se chove, fico aqui dentro, leio um livro ou cozinho, coisas que normalmente não consigo fazer”, divaga a performer mais pop do mundo. Do lado de dentro, o layout parece querer dar espaço apenas para a luz natural e a brisa campestre que vem de fora. As janelas pintam o panorama verde do jardim, evidenciado por uma decoração minimal que parece não querer chamar mais atenção do que o exterior.
A maioria dos móveis são de design italiano dos anos cinquenta e sessenta. “Quando estávamos escolhendo os mobiliários dei apenas uma limitação: preto, marrom e cinza são proibidos”, explica Abramovic. Clássicos de Charles Eames, harmonizam com os mais modernos, como Piero Lissoni, peças da Kartell e do poderoso Philippe Starck. “Sou uma artista, trabalho todos os dias e é muito importante voltar para casa e ver as paredes brancas e vazias, é relaxante e preciso disso.” E completa: “Achei que quando estivesse mais velha iria trabalhar menos, mas é exatamente o oposto. Atualmente, estou preparando uma infinidade de projetos: livros, uma exposiçãoque tenho em São Paulo (a mostra será uma retrospectiva de grande porte, com material histórico e trabalhos inéditos). A estrutura será semelhante à expo realizada no MoMA, de NY, e entra em cartaz em 2015. Além de todos esses compromissos, no fim de semana tento colocar em ordem e me dedicar ao teatro em Hudson, onde montei a Fundação Marina Abramovic de Preservação da Arte de Performance”. A intenção é utilizar o espaço para desenvolver ideias com vídeo e equipamento de pós-produção, com direito a um prédio para abrigar outros artistas residentes. Com toda essa bagagem nem precisa dizer que Henry Hudson, o explorador inglês, não precisava mesmo chegar à China para descobrir tesouros orientais, já que estava ali um rio de inspiração que resulta em obras que valem muitos dígitos.
