Eu não sou o único
Arquitetura limpa, mobília bossa-nova, arte contemporânea e cerâmicas autorais turbinam a estética de Alexandre Dal Fabbro, enfant terrible da neo geração paulista, como se vê no apê calcado por suas digitais - das paredes aos arranjos
Por Allex Colontonio | Fotos Romulo Fialdini
Entre acordes clássicos e álbuns de Caetano, Gal e Gil, paradoxalmente, a música que não parava de tocar no iPod de Alexandre Dal Fabbro, dois dias antes do carnaval, era “I’m not the only one”, do hitmaker inglês Sam Smith – o menino-prodígio de 22 anos que abocanhou mais estatuetas do Grammy do que qualquer outro artista na última entrega anual do prêmio máximo da indústria. Como ele, Dal Fabbro, 27 anos, também é um talento precoce. “Me formei em Arquitetura no Mackenzie em 2011. Daí foram mais seis meses na Architectural Association, em Londres, onde já havia passado uma temporada em 2008”, conta o paulistano que, antes de abrir o escritório que leva o seu nome, trabalhou na filial paulista do estúdio americano Davis Brody Bond, logo depois de estagiar na sede do grupo, em Nova York.
Com aquele jeitão acolhedor de casa térrea, o apartamento no primeiro andar de um prédio anos 1970 com mais de 20 metros de recuo da rua e grande jardim frontal, rasgado para a copa das árvores, é o carro abre-alas de seu portfólio. Concebido para um casal com dois filhos, levou a interferência do arquiteto desde a estrutura mais elementar à escolha de cada peça de mobiliário e obra de arte – incluindo o portentoso Daniel Senise, que dá boas-vindas a quem chega. Um layout purista, limpo, dinâmico, que explora amplas circulações e pontua o olhar com excelentes obras de arte e peças clássicas da mobília bossa-nova, como a fabulosa chaise Rio, desenhada por Oscar Niemeyer em 1978, o abajur de Sergio Rodrigues e a mesa de centro de Jorge Zalszupin, contracenando com boa seleção de estofados italianos e peças autorais, como as cerâmicas desenhadas por ele – ainda mais especiais com os arranjos de costela-de-adão produzidos pelo próprio, à maneira retrô.
“Classifico meu estilo como contemporâneo e brasileiro. Acho importante você ter raízes e traduzir na arquitetura suas principais referências. Meus grandes mestres da geração moderna são o Rino Levi e o Burle Marx. Dos atuais, olho para Bernardes Jacobsen e Isay Weinfeld”, conta. Citações coerentes pelo rigor arquitetônico, pelo mood minimalista não radical e pela atmosfera chic, é claro.
Entre as adaptações, paredes vieram abaixo, a área social cresceu e ficou muito mais clara. Com moldura branca, entraram em cena texturas mais naturais, como madeiras, mármores e bambu. “Os proprietários pediram uma cozinha gourmet separada da sala, suíte grande com walk-in closet e espaços sociais amplos e integrados. O desafio foi modificar a planta de um apartamento de 40 anos – com dois quartos de empregada, copa, cozinha, quatro quartos e lavanderia. O novo desenho valoriza áreas menos compartimentadas, uniformes, traduzindo uma arquitetura contemporânea com identidade nacional. Um dos principais partidos foi valorizar a vista para o jardim externo emoldurado pela grande janela de chão ao teto, contextualizada entre linhas retas”, diz. Um contraste entre a casca setentista e o miolo absolutamente atual – e atemporal.
Alexandre passeia com entusiasmo pela casa, fala sobre as obras e explica os detalhes. À exceção da cozinha encomendada à Ornare, toda a marcenaria foi desenhada por ele: racks da sala e dos quartos, bancadas e armários em geral. “O dono da casa faz bacalhau e feijoada. Ela gosta de risoto de camarão e tiramisu. São pessoas modernas e queridas, que adoram receber e que têm muitas referências. Aquela obra da artista Gretta Sarfaty Marchant foi um presente que a dona da casa ganhou ainda na adolescência”, explica.
Sem afetações, Dal Fabbro representa uma turma jovem que valoriza a cultura nacional e a personalidade dos moradores. Uma gente que troca a vaidade pela pesquisa de campo e pela mão na massa, seja na hora de rabiscar um piloti, seja para arrumar a planta no vaso. Felizmente, assim como na canção do Sam Smith, Dal Fabbro não é o único.